Essência e Natureza Humana em Marx
De forma bastante recorrente, em seus textos de juventude, Karl Marx, quando trata de elaborar o seu conceito de trabalho, que não se desvincula do problema da alienação, sempre recaí na problemática em torno da essência humana. Mais de uma vez, nos Manuscritos de 1844, Marx afirma que a essência do homem é a sua atividade prático-sensível, o trabalho. Em O capital, a obra mais representativa da maturidade do pensador alemão, ele, quando vai elaborar o conceito de trabalho em seu aspecto mais geral, que prescinde de qualquer forma de sociabilidade específica, faz uso da expressão natureza humana, afirmando que esta se transforma à medida que o homem transforma o seu meio externo, a natureza. É de conhecimento daqueles que estudam a história da filosofia que ambos os termos essência e natureza humana expressam, em geral, conceitos de caráter bastante especulativos, transcendentes. Alguns autores, como Louis Althusser, costumam fazer uma distinção, muitas vezes radical, entre o Marx jovem e o Marx maduro, apontando para o fato que a obra do primeiro, de caráter “filosófico-ideológico”, não manteria uma linha de continuidade com a obra do segundo período da produção intelectual do pensador renano, obra essa de caráter “científico”, de onde é possível destilar a verdadeira originalidade e especificidade da teoria marxiana. No entanto, o uso de expressões como natureza humana pelo Marx maduro, parece apontar para determinadas problemáticas que ele enfrentou com tanto empenho na sua obra de juventude, quando combatia algumas ideias de um círculo seleto de pensadores que formavam a esquerda hegeliana (Feuerbach, Bauer, Stirner, etc.). Ou seja, a ruptura, a “cisão epistemológica”, entre o Marx da juventude e o da maturidade não deve ser assumida sem questionamentos. Ao mesmo tempo em que é possível demarcar uma ruptura entre as problemáticas abordadas pelo jovem Marx e pelo Marx maduro, não é possível também vislumbrar uma certa continuidade entre algumas delas? Aos conceitos de essência e de natureza humana Marx atribui um mesmo conteúdo? Por que Marx – e essa é a questão principal que norteará esta investigação –, um pensador tão atrelado à tradição materialista, pouco afeita a conceitos que remetem a qualquer problemática de ordem especulativo-menafísica, faz uso de expressões e conceitos como os de essência e natureza humana? A apropriação de tais conceitos pelo fundador de uma original teoria materialista da história, não gera uma espécie de contradição no seio dessa mesma teoria que pretende ser anti-especulativa, anti-metafísica e, por que não, anti-hegeliana? O objeto desta pesquisa, portanto, é a problemática concernente aos conceitos de essência e natureza humana que aparecem na obra de Karl Marx. Cabendo investigar se esses conceitos comprometem de forma significativa o seu materialismo.
Adorno e Lukács: sobre o ensaio como forma
A densidade e complexidade dos textos de
Adorno revelam uma preocupação com a interpretação de uma realidade que é, ela
mesma, complexa, cindida e antagônica. Seu
célebre texto “O Ensaio como Forma” assume, ele mesmo, a forma de um ensaio,
forma de exposição do conhecimento que permitiria, segundo Adorno, uma
apreensão mais apropriada da realidade. “O Ensaio como Forma” comporta imensas
dificuldades de interpretação, além das múltiplas referências diretas e
indiretas, pelas quais menciona desde o ambiente acadêmico de sua época até
movimentos mais amplos da sociedade. A isso também se deve o caráter hermético de seus
textos, o ato de interpretar pressupõe ir além do que é imediatamente aparente
e ser capaz de alcançar o novo, não como fruto imediato de um raciocínio
dedutivo, fechado em si mesmo, mas sim no que lhe falta. Nesta comunicação, esboçando
uma primeira aproximação ao texto, procuraremos explicitar o sentido de suas
referências ao trabalho de Lukács “A Alma e as Formas”, por meio
das quais vemos desenhar-se um lugar para o trabalho do espírito que, em
confronto sobretudo com o positivismo e o próprio Lukács, estabelece
dependência recíproca entre forma e conteúdo da investigação. Como uma tentativa de escapar às amarras
teórico-metodológicas que restringiriam a aproximação a um objeto, “O Ensaio
como Forma” propõe-nos uma relação para com o objeto de conhecimento que
ampliaria a própria noção do que é conhecer. A interpretação como ação fundante
do ato de conhecer permite um jogo entre realidade e fantasia, objetividade e
subjetividade, e propõe ressignificar, sob a propícia forma do ensaio, a
relação entre sujeito e objeto e a autonomização de uma forma de conhecimento
que seria de fato capaz de aproximar-se ao objeto. Como modelo ideal, então, o “ensaio”
se apresenta como reação a que a reflexão sobre as coisas do espírito venha a
tornar-se “privilégio dos desprovidos de espírito”.