O consenso fetichóide, que se apoia na evidência empírica das "forças do mercado" e na apologética da "mão invisível", parece haver cooptado inteligências tidas como das mais lúcidas. À esteira da "débâcle" do chamado "socialismo real" erigiu-se um cordão sanitário em torno de Marx e de seu legado teórico e, pela enésima vez, buscou-se desqualificá-lo, desta feita, porém, sob o epíteto de "démodé". Mas, passada a ressaca da primeira hora, torna-se cada vez maior o contingente daqueles que se apercebem que a forma social vigente não é a melhor, nem a única, possível. O movimento do capital nesta quadra da história tem assumido feições e proporções inusitadas, tornando imperioso o resgate do legado teórico do maior e mais profundo crítico da socialidade burguesa. As ameças que pairam sobre o processo de reprodução social não podem ser escamoteadas. Uma crise financeira de proporções inimagináveis, por exemplo, sem qualquer catastrofismo, não pode estar fora do espectro verossímil das possibilidades latentes, sobretudo pela velocidade, magnitude e descontrole com que os capitais perambulam, "motu proprio", através do mundo, em sua ânsia de valorização ilimitada. Além da desigualdade social diretamente fomentada pelo processo de acumulação, as ameças ao arcabouço biológico do ser social, sob a forma de degradação acelerada dos ambientes favoráveis à perpetuação da vida humana, demandam um conjunto de ações, a médio e longo prazos, que parecem avessas ao automatismo intrínseco à forma capital dos produtos do trabalho humano. Os perigos imanentes à subordinação do processo de reprodução social aos imperativos cegos do movimento do capital não devem ser subestimados e o recurso à retomada do legado teórico de Marx, longe de objetivos meramente diletantes, pode converter-se num imperativo vital.
Prof. Dr. Mauro Castelo Branco de Moura (UFBA).